agosto 30, 2005

Só as mães são felizes

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Tavira, 2005


A minha cantava o Laurinda, linda, linda, enquanto fazia a sopa (não tem sal, mãe). Eu era aquele puto de franja, de bibe verde ou amarelo, à janela da Ford Transit branca do senhor Figueiredo a caminho do Colégio João de Deus. Como um enforcado com o coração nas mãos, e os collants pretos grossos que a minha mãe me obrigava a vestir por estar muito frio
(como se a constipação entrasse por baixo, mamã).
E o senhor Figueiredo, azelha e vesgo, sempre a dizer passa por cima, diacho!, a fazer gestos com a mão e a vociferar com os outros condutores, fazendo cornos com a mão. Sempre achei estranho tanta referência ao demo e a maneira desastrada como o careca conduzia, como se transportasse fardos de palha e não criancinhas chorosas. Pelo cheiro dos meus colegas, mais valia que se tratasse de facto de fardos de palha ou, mesmo, de sacas de batatas ou outros tubérculos: esses pelo menos não dão puns disfarçadamente e raramente fazem xixi nas cuecas do Bambi!! É triste, mas as minhas memórias mais fortes da escola primária reduzem-se ao fedor envergonhado dos meus pares, e eu de collants, encerrados numa carrinha branca a caminho de um colégio sinistro com portões enormes
(que lembram vagamente Auschwitz).
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