agosto 27, 2008

Ontem...

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Mesão Frio, 2008


...numa noite de insónia, pensei nas vezes em que fui mesmo feliz. Falo, obviamente, daqueles episódios raros de felicidade-felicidade, impossível de conter ou disfarçar, sequer. Muitos momentos em família, naturalmente. Os natais na Covilhã, com luvas de lã e idas à Serra. Aquela cozinha na S. João de Deus onde cabiam todos e ainda quem aparecesse mais. Descobrir a cidade e o quintal da vizinha. Jogar à bola em Linda-a-Velha, depois de saltar a rede, e descer a rua do quiosque num skate preto com uma caveira amarela. Todos os últimos dias de aulas (vão lamber sabão!). Andar de avião pela primeira vez e descobrir Paris com vocês, um mapa no bolso e uma reflex na mão. Andar de mão dada e descobrir outras coisas. Chegar a Santa Apolónia, rebentado, vindo do Interrail. Muitos momentos em férias, algumas viagens, pouca conversa e muitos concertos. O primeiro Lou Reed no Coliseu, Chieftains na Aula Magna, Peste & Sida no Avante, Buddy Guy, Caetano Veloso, Altan, eu sei lá. Tardes a ler o Sete, responder a anúncios do Blitz, fazer recortes, gravar telediscos, procurar algo para ler entre os livros da minha mãe ou descobrir algo ao acaso entre os discos do meu pai. Tudo menos fazer os trabalhos-de-casa ou estudar a lição. O Nuovo Cinema Paradiso a meio da tarde e tantos filmes no Quarteto. Aquelas férias no Carvoeiro, naturalmente (excepto aquela noite ao relento, à espera de uma chuva de estrelas que nunca apareceu). Uma viagem de autocarro para Beja, a ler Um sorriso aos pés da escada, à espera que as coisas fizessem sentido [e fizeram]. Muitas horas, sozinho, em cima da cama, de headphones na cabeça, a gravar músicas incessantemente num gravador de quatro pistas, com uma guitarra acústica meio desafinada no colo e uma harmónica que o meu avô me ofereceu. Entrar na minha primeira casa, um dia depois do Sporting ganhar o campeonato, ao fim de muitos anos (estava a ver que não, caralho!). Algumas tardes de poente na casa amarela. Voar até Barcelona, em manhãs de sol e regressar a Paris, com neve. Entrar no Museu Van Gogh pela primeira vez, surpreso, e voltar a Amesterdão, com mais calma e contigo. Aquela noite no pub de Kenmare, o entardecer em Veneza, o jantar em sei-lá-onde, perto de Bolonha, a enviar mensagens a toda a gente com as novidades. E a primeira ecografia, claro.
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